Resumo:
O presente trabalho teve como objetivo analisar as práticas de educação científica no ensino médio técnico por meio de narrativas sobre a formação do estudante pesquisador em tempos de mercantilização do eu. A fundamentação teórica parte de autores da teoria social crítica que percebem o contemporâneo através da lógica neoliberal que sincroniza as esferas da vida configurando a existência de neossujeitos com a hegemonia de valores individualistas, competitivos e flexibilizadores. Nesse sentido, as feiras de ciências e tecnologia para alunos secundaristas têm um papel de destaque dentro do cotidiano escolar e, portanto, da construção do currículo escolar de acordo com o imaginário sociotécnico vigente. A metodologia desenvolvida contou com nove entrevistas narrativas em profundidade realizadas com egressos da escola Fundação Liberato, localizada em Novo Hamburgo/RS, que tiveram uma vivência constante com as feiras de ciências escolares e o contexto de premiações. Por outro lado, também foram analisados documentos do currículo prescrito, como os Planos de Ensino, o Plano Político Pedagógico e o Manual com Orientações para realização de projetos de pesquisa.
Com essa análise, buscou-se compreender quais são as inter-relações entre o currículo vivido e a formação do aluno que se torna pesquisador durante sua vida escolar em tempos em que o discurso do processo formativo individualizado e do empresariamento de si se tornaram lugar comum dentro das escolas. A sobreposição da análise do currículo prescrito e do currículo narrado possibilitou perceber a existência de uma convergência para o currículo tecnossolucionista. O currículo tecnossolucionista é compreendido como uma abordagem educativa que direciona e valoriza o uso da tecnologia como resposta universal para desafios sociais, econômicos e ambientais. Dadas essas considerações, foram encontrados os seguintes resultados: diante das configurações contemporâneas do sistema capitalista, o neoliberalismo permeia todas as esferas da vida, influenciando ações cotidianas e moldando a subjetividade dos indivíduos. Esse processo dá origem a neossujeitos regidos pela hegemonia de valores
individualistas, competitivos e adaptáveis às estruturas empresariais, refletindo-se inclusive dentro das escolas, nas feiras de ciências. Por um lado, essa lógica valoriza a capacidade individual, promovendo a ascensão cultural, social ou econômica de cada sujeito de maneira isolada. Por outro, no contexto neoliberal, o imaginário sociotécnico conforma a produção da ciência em uma “jaula de aço individual”1
, onde a mercantilização do eu sustenta um sistema de racionalização e controle. Esse processo restringe a autonomia e a criatividade dos indivíduos, impondo regras rígidas à produção científica escolar e condicionando a participação dos estudantes pesquisadores em feiras de ciências dentro da lógica do currículo tecnossolucionista.