Resumo:
Diante de uma crise civilizatória e ambiental sem precedentes históricos, produtora de um
estado singular de deterioração do Planeta, espera-se do Direito, enquanto subsistema social normativo, que estimule uma revisão paradigmática hábil a apresentar respostas eficientes que confrontem os riscos abundantes, contingentes e plurais, aptos, ao menos em potencial, de desencadear um colapso definitivo da humanidade. Essa mudança de standards desejável não se viabiliza sem uma reformulação de perspectivas, muito menos sem a superação do antropocentrismo absoluto como padrão de racionalidade. Enquanto meta, não se alcança caso se sonegue a devida importância ao consumo autofágico, tudo que ele arrasta e a degradação expressiva dele proveniente. Incorre-se também em imperdoável equívoco desconhecer-se o papel central dos desastres como mais palpável subproduto desse mundo em crise e de uma modernidade ambiental insustentável. Por isso, deve ser fixada a gravidade do evento extremo,
quer natural, quer antropogênico ou mesmo o misto, seja por sua velocidade espantosa ou ainda por sua extensão indefinida, como também pelas mutações significativas que produz nos planos sócio-moral-econômico, para fazer emergir que a intervenção estatal não pode ser suprimida ou abreviada para a construção de outra racionalidade sustentável. Nesse cenário, o Direito dos Desastres é chamado a contribuir com um estilo normativo diferente, abrindo alternativas para o aperfeiçoamento dos eixos de prevenção, mitigação, resposta e compensação às catástrofes, sem que se paralise a vida em sociedade. A sua tarefa é hercúlea, pois reclama uma profunda alteração da racionalidade estatal, em condições de fazer emergir outros modos de pensar e
habitar o mundo, organizados por uma ética ambiental de equidade intergeracional e pela
consolidação da ideia de meio ambiente como Direito humano fundamental. A mudança de perspectiva e orientação pressupõe que o Direito dos Desastres, em sua especificidade, seja capaz de dialogar com as matrizes tradicionais do próprio sistema jurídico e superá-las em alguma medida, de modo a demarcar e consolidar seu território epistêmico. Assim, pode conformar, com sua racionalidade jurídica, os instrumentos de Governança Ambiental, infraestruturas verdes ou cinza e a avaliação dos serviços ecossistêmicos. Tematizar os instrumentos jurídicos previstos na Política Nacional do Meio Ambiente, ressignificando-os de modo a dar conta dos mencionados riscos e perigos, especialmente se associados aos planos de monitoramento e contingência que compõem a Política Nacional de Defesa Civil. O Direito dos Desastres, ainda, convida a elaboração de um novo programa de desconstrução, quando resgata o papel da responsabilidade civil, a fim de incidir não só nos danos causados, mas em especial
nos futuros. Do Estado, em contraste, propicia a emergência da cobrança da retomada do seu papel de atuação ambiental relevante para o enfrentamento desses eventos de magnitude, concentrando-se no exercício necessário e adequado do poder de polícia, a partir de sua reconfiguração como uma ação afirmativa de Direito ambiental. Finalmente, como hipótese, na condição de contributo para mitigar as falhas por ação ou omissão indevidas do Estado, direta ou indiretamente relacionadas aos eventos extremos, reaviva-se e confere-se consistência a tutela jurídica da ação de improbidade administrativa, como mecanismo fundamental na dissuasão dos desastres e de sua reiteração, aperfeiçoando o ciclo dos desasstres. Ultrapassando-se, enfim, a inércia de meros avisos e a descrição de perigos e riscos da modernidade tardia, para assumir o papel central de enfrentamento das múltiplas causas dos eventos desastrosos. A estratégia da pesquisa adotada foi explicativa e propositiva, a natureza da abordagem qualitativa e o método utilizado foi o dedutivo.